Publication Cover
Bulletin of Spanish Studies
Hispanic Studies and Researches on Spain, Portugal and Latin America
Volume 98, 2021 - Issue 5
69
Views
0
CrossRef citations to date
0
Altmetric
ARTICLES

O Integralismo Lusitano e o nacionalismo musical de Luís de Freitas Branco: dois estudos de caso

 

Abstract

O objetivo deste artigo é analisar a influência do Integralismo Lusitano na configuração do pensamento nacionalista do compositor e musicólogo Luís de Freitas Branco (1890–1955). O seu apego ao roteiro ideológico integralista é evidente na revalorização do ‘ser português’ que subjaz a todos os seus escritos. Para o efeito, analisarei duas fontes da sua autoria como estudos de caso. Do seu estudo podem ser observadas a exaltação nacionalista da música portuguesa, o interesse em distinguir-se da tradição musical espanhola, a utilização de uma narrativa ao serviço de uma leitura ideológica específica, e a idealização da denominada Escola de Évora.

Notes

1 António C. Pinto, Os Camisas Azuis: ideologia, elites e movimentos fascistas em Portugal, 1914–1945 (Lisboa: Editorial Estampa, 1994).

2 Veja Pinto, Os Camisas Azuis.

3 Sobre a relação entre os dois movimentos, pode ser de interesse a seguinte fonte bibliográfica: Stewart Lloyd-Jones, ‘Integralismo Lusitano and Action Française’, Portuguese Journal of Social Science, 2:1 (2003), 39–59.

4 P. Archer de Carvalho, 'Integralismo Lusitano: Reacção, Recristanização, Retorno', Locus. Revista de História, 18:1 (2012), 13–31 (p. 30; a ênfase no original).

5 Marcelo Caetano (1906–1908) foi o último Presidente do Conselho de Ministros de Portugal durante o Estado Novo. Ligado ao Integralismo Lusitano no início da sua carreira política, a sua intensa atividade dentro da estrutura salazarista levou-o a suceder a António Salazar desde 1968 até à Revolução dos Cravos em 1974.

6 Carvalho, ‘Integralismo Lusitano’, 16.

7 Seara Nova é uma revista, ainda ativa, fundada em 1920 graças à ação de intelectuais como Raúl Proença, Raúl Brandão, Aquilino Ribeiro, Ferreira Macedo, Jaime Cortesão, Câmara Reis ou António Sérgio. Sobre o seu processo de criação, a seguinte fonte fornece informação extremamente interessante: Paulo Braga, ‘Uma entrevista con Câmara Reys sôbre a “Seara Nova” ’, Seara Nova, 513 (1937), 162 & 177. Esta plataforma, ao contrário das dinâmicas elitistas e estritamente académicas que até representam o Integralismo Lusitano, propôs uma aproximação pedagógica à sociedade lusa. Como representante da dimensão musical portuguesa, nas suas páginas esteve presente o musicólogo e compositor Fernando Lopes-Graça (1906–1994), aluno do próprio Freitas Branco no Conservatório Nacional. A trajetória deste meio durante o Estado Novo foi muito complicada devido às dificuldades económicas e, sobretudo, à censura derivada da sua forte oposição ao Salazarismo. Sobre o seu trabalho de resistência intelectual, artística, social e simbólica, o seguinte artigo é de grande interesse: A. Rafael Amaro, ‘A Seara Nova e a resistência cultural e ideológica à ditadura e ao Estado Novo (1926–1939)’, Revista de História das Ideias, 17 (1995), 405–38.

8 Carvalho, ‘Integralismo Lusitano’, 17.

9 Raúl Proença, ‘Acerca do Integralismo Lusitano. O que é o integralismo’, Seara Nova, 5 (1921), 132–36.

10 Olga de Freitas da Cunha Ferreira, ‘As doutrinas do integralismo lusitano no pensamento e na teoria de acção de Raúl Proença', Revista de História das Ideias, 7 (1985), 671–83.

11 Proença, ‘Acerca do Integralismo Lusitano’, 133.

12 Teresa Cascudo, ‘Por amor do que é portugués: el nacionalismo integralista y el renacimiento de la música antigua entre 1924 y 1934’, em Concierto barroco: estudios sobre música, dramaturgia e historia cultural, ed. Juan José Carreras & Miguel Ángel Marín (Logroño: Univ. de La Rioja, 2004), 309–30.

13 Maria Isabel Amaro da Silva Pina, ‘Neoclassicismo, nacionalismo e latinidade em Luís de Freitas Branco, entre as décadas de 1910 e 1930’, Dissertação de Mestrado (Universidade Nova de Lisboa, 2016).

14 Luís de Freitas Branco, ‘Música e Instrumentos’, em A Questão Ibérica: Integralismo Lusitano (Lisboa: Almeida Miranda & Sousa, 1916), 119–43.

15 António Sardinha, ‘O Território e a Raça’, em A Questão Ibérica, 9–76.

16 Teresa Cascudo, ‘Historiografía y composiciones en Portugal en el período de entreguerras: dos casos de estudio’, em Cruces de caminos: intercambios musicales y artísticos en la Europa de la primera mitad del siglo XX, ed. Gemma Pérez Zalduondo & Mª Isabel Cabrera García (Granada: Univ. de Granada, 2010), 299–318.

17 Pina, ‘Neoclassicismo, nacionalismo e latinidade em Luís de Freitas Branco’, 54–55.

18 D. João IV (1604–1656), o Rei Músico, foi um notável intérprete, compositor e proprietário de uma das mais relevantes bibliotecas musicais da Europa, a qual desapareceu em 1755 devido ao terramoto de Lisboa. Almonte Howell e Rui Viera Nery também apontam a sua obra como mecenas de uma série de compositores nacionais que, por coincidência, compõem a chamada Escola de Évora (Almonte Howell & Rui Viera Nery, ‘João IV, King of Portugal’, em The New Grove Dictionary of Music and Musicians, ed. Stanley Sadie & John Tyrrell, 29 vols [London: Macmillan/New York: Grove, 2001], XIII, 128–29).

19 O reinado de João IV marcou a separação definitiva entre Espanha e Portugal, um acontecimento de grande impacto na história da Península Ibérica conhecido como a Restauração de 1640. O Integralismo Lusitano estava consciente da magnitude deste evento e tentou transferir esta dinâmica sociopolítica disruptiva para o âmbito músico-cultural. Assim, encontraram na Escola de Évora o equivalente perfeito, afirmando veementemente o seu papel no estabelecimento e materialização de uma identidade cultural nacional diferente da do resto dos países europeus, sob a premissa de que uma forma específica de ser implica uma forma específica de arte. Definitivamente, a figura deste monarca funcionou como um instrumento de legitimação, como um princípio de auctoritas incontestável no imaginário nacionalista português. As tentativas integralistas de ligar ambas dimensões não se basearam apenas na sua coincidência cronológica, ou no interesse de João IV pela música e arte, mas também na relação pessoal entre este último e alguns dos compositores que fizeram parte deste movimento como João Lourenço Rebello (1610–1661).

20 Teresa Cascudo fez uma tradução parcial deste artigo para o espanhol, a qual está disponível na seguinte fonte bibliográfica: Teresa Cascudo, ‘Música, política y sociedad desde los años de entreguerras hasta la Guerra Fría’, em La música moderna y contemporánea a través de los escritos de sus protagonistas (una antología de textos comentados), ed. Jose María García Laborda (Sevilla: Doble J, 2004), 142–58.

21 A Prof. Dra María Palacios (Universidad de Salamanca) desenvolveu este conceito em profundidade na sua comunicação ‘Género y análisis del discurso en la crítica musical’, no Seminario ‘Intercambios Metodológicos Aplicados a los Estudios de Postgrado en Género, Etnomusicología y Antropología’ (Universidad de Salamanca, 2020). Ela compreende que a ideia de criação, inevitavelmente ligada à do génio criativo, está associada ao masculino. Cada sexo tem os seus próprios elementos: embora elas possuam beleza, eles estão situados num domínio estritamente intelectual. Isto é: eles criam, elas recriam e imitam. As hierarquias entre os géneros no campo musical são estabelecidas a partir dos seus próprios fundamentos.

22 Raúl Brandão, Memórias, 3 vols (Braga: Edições Vercial, 2012–2014 [1ª ed. 1919–1933]), I, 109.

23 Luís de Freitas Branco, ‘O mez musical’, Atlántida. Mensário Artístico Literário e Social para Portugal e Brazil, 48 (1920), 348–50 (p. 348).

24 Luís de Freitas Branco, ‘Música. Concertos Históricos na Liga Naval’, Diário de Notícias, 2 de Fevereiro de 1924, p. 3

25 Francisco Parralejo, ‘Jóvenes y selectos: Salazar y Ortega en el entorno europeo de su generación (1914–1936)’, em Los señores de la crítica: periodismo musical e ideología del modernismo en Madrid 1900–1950, ed. Teresa Cascudo & María Palacios (Sevilla: Doble J, 2012), 55–94.

26 Cascudo, ‘Por amor do que é portugués’, 314.

27 Luís de Freitas Branco, A música em Portugal (Lisboa: Imprensa Nacional, 1929).

28 Cascudo, ‘Historiografía y composiciones en Portugal en el período de entreguerras’.

29 Luís de Freitas Branco, ‘Les Contrepointistes de l’École d’Évora’, em Actes du Congrès d’Histoire de l’Art. Paris, 26 septembre–5 octobre 1921, 5 vols (Paris: Presses Universitaires de France, 1924), III, 846–52.

30 Cascudo, ‘Por amor do que é portugués’, 323.

31 Paulo Ferreira de Castro, ‘O que fazer com o século XIX? Um olhar sobre a historiografia musical portuguesa’, Revista Portuguesa de Musicologia, 2 (1992), 171–83.

32 Adolfo Salazar (1890–1958) foi um crítico, musicólogo e compositor espanhol. Ideólogo do nacionalismo musical espanhol da primeira metade do século XX, ele tentou ligá-lo às primeiras vanguardas europeias. Relacionado com todas as gerações de compositores espanhóis deste período, foi uma figura chave na construção da história da música espanhola no século XX. Empenhado no impressionismo francês e no neoclassicismo de Stravinsky, foi um defensor convicto de Manuel de Falla e de Ernesto Halffter após a morte do primeiro. No nacionalismo ocupou uma fação progressista, denominada por Elena Torres como ‘nacionalismo das essências’ (Elena Torres Clemente, ‘El “nacionalismo de las esencias”: ¿una categoría estética o ética?’, em Discursos y prácticas musicales nacionalistas [1900–1970], ed. Pilar Ramos [Logroño: Univ. de La Rioja, 2012], 27–51). Este processo baseou-se na europeização da música nacional, na adaptação dos referidos modelos europeus de vanguarda à língua musical espanhola, meio de sublimação estética e de progresso artístico-musical.

33 Esta informação pode ser contrastada na seguinte fonte: Luís de Freitas Branco, ‘A música. Liga Naval’, Diário de Lisboa, 10 de março de 1925, p. 2.

34 Luís de Freitas Branco, ‘Guitarristas portuguezes’, Música. Revista das Artes, 2 (1 de setembro de 1924), 55–57 (p. 55).

35 O fado tornou-se um campo de batalha artística em Portugal durante a primeira metade do século XX. A posição dos Integralistas a este respeito, tendo Luís de Freitas Branco como porta-voz, é firme: o fado nunca será o reflexo da arte nacional portuguesa, pois é simplesmente um género de canção popular sem trajetória histórica, configurado num período histórico marcado pela desnacionalização das práticas artísticas e musicais.

36 Moreira de Sá (1853–1924) foi uma grande figura da cena musical de Porto durante o período de transição entre os séculos XIX e XX. Musicólogo e intérprete musical de muito prestígio, fundou o Conservatório de Música de Porto e a Sociedade de Concertos ‘Orpheon Portuense’.

37 Macario Santiago Kastner, Contribución al estudio de la música española y portuguesa (Lisboa: Editorial Ática, 1941), 116.

38 Felipe Pedrell (1841–1922) foi um compositor e musicólogo espanhol. Investigador prolífico, o seu profundo estudo abrangeu áreas muito diferentes: o passado musical espanhol, a música sacra, a música popular, a questão da ópera nacional espanhola etc. Através de um discurso altamente nacionalista, introduziu a Espanha na musicologia moderna e europeia. Dentro da sua produção musicológica destacam as seguintes fontes: Los músicos españoles antiguos y modernos en sus libros …  (1888); Por nuestra música …  (1891); Diccionario biográfico y bibliográfico de músicos y escritores de música españoles, portugueses y hispano-americanos antiguos y modernos (1894–1897); Emporio científico e histórico de organografía musical española antigua (1901); Antología de organistas clásicos españoles (siglos XVI, XVII y XVIII) (1908); La lírica nacionalizada. Estudios sobre folklore musical (1913); ou Tomás Luis de Victoria Abulense …  (1918).

39 Rafael Mitjana (1869–1921) foi um musicólogo e diplomático espanhol cujo trabalho lhe permitiu conhecer a realidade musicológica europeia. Os seus principais interesses musicais estavam ligados às grandes figuras musicais espanholas dos séculos XVI e XVII. Na sua produção sobressaem as seguintes fontes: Sobre Juan del Encina, músico y poeta (nuevos datos para su biografía) (1895); La música contemporánea en España y Felipe Pedrell (1901); Histoire du développement du théâtre dramatique et musical en Espagne depuis ses origines (1906); Cincuenta y cuatro canciones españolas del siglo XVI: cancionero de Uppsala, ahora de nuevo publicadas, acompañadas de notas y comentarios (1909); Estudios sobre algunos músicos españoles del siglo XVI (1918); Cristóbal de Morales: estudio crítico biográfico (1920); ou Francisco Guerrero (1528–1599): estudio crítico-biográfico (1922).

40 Pilar Ramos López, ‘José Subirá en el contexto de la historiografía musical española’, em Pasados presentes: tradiciones historiográficas en la musicología europea (1870–1930), ed. Andrea Bombi (Valencia: Univ. de València, 2015), 105–27.

41 Ramos López, ‘José Subirá en el contexto de la historiografía musical española’, 107.

42 Francesc Bonastre, ‘El nacionalisme musical de Felip Pedrell. Reflexions a l’entorn de Por nuestra música … ’, Recerca Musicològica, 11–12 (1991–1992), 17–26.

43 Luís de Freitas Branco, Elementos de Sciências Musicais (Lisboa: Sassetti, 1922).

44 Rui Vieira Nery & Paulo de Castro Ferreira, History of Music, trans. Kenneth Frazer (Lisboa: Imprensa Nacional-Casa da Moeda, 1999), 112.

45 A Entrevista de Guadalupe foi um importante evento no que participaram Felipe II e Sebastião I, no que o primeiro tentou dissuadir ao segundo de começar uma cruzada contra o Reino de Marrocos. Persistente na sua empresa nacional, Sebastião I faleceu na Batalha de Alcazarquivir em 1758, iniciando uma crise sucessória que deixaria a Coroa Portuguesa nas mãos do seu tio Felipe II.

46 Peixoto da Pena foi um músico renascentista português de enorme fama como instrumentista. Natural de Trás-os-Montes, é amplamente conhecida a história de como com uma viola destemperada impressionou à corte do Imperador Carlos I de Espanha e V do Sacro Império Romano. Esta informação é extraída da entrada que o musicólogo português Joaquim de Vasconcelos (1849–1936) dedica a Peixoto da Pena numa das primeiras contribuições académicas para o estudo da história da música portuguesa: Joaquim de Vasconcelos, Os músicos portuguezes. Biografia—bibliografia, 2 vols (Porto: Imprensa Portuguesa Editora, 1870), II, 22–23.

47 A fim de aprofundar o interesse do salazarismo na música popular portuguesa e no canto coral como instrumentos educativos e doutrinadores, bem como nas suas possibilidades simbólicas e metafóricas em termos da nova organização social imposta pelo Estado Novo, as seguintes fontes podem ser relevantes: Manuel Deniz Silva, ‘ “Orfeonizar a Nação”, o Canto Coral como instrumento educativo e político nos primeiros anos da Mocidade Portuguesa (1936–1945)’, Revista Portuguesa de Musicologia, 11 (2001), 139–73; e Maria de São João Côrte-Real, ‘Musical Priorities in the Cultural Policy of Estado Novo’, Revista Portuguesa de Musicologia, 12 (2002), 227–52.

48 Aarón Pérez-Borrajo, ‘Discrepancias musicales entre el Integralismo Lusitano y el Estado Novo: el elitismo del Renascimento Musical frente a la hegemonía del folclore en el Salazarismo’, ArtyHum. Revista de Artes y Humanidades, 75 (2020), 152–73 (p. 167), <https://www.artyhum.com/revista/75/#p=152> (acessado 4 de Março de 2021).

49 O corpus musical de Freitas Branco mostra uma afinidade evidente com o Integralismo Lusitano e os seus agentes culturais se tivermos em conta a proveniência do material pré-existente que o compositor toma como referências literárias. Neste sentido, o oratório As tentações de S. Frei Gil: Fragmentos sinfónicos (1911) é baseado num poema de António Correia de Oliveira (1879–1960). Por outro lado, Hipólito Raposo também figura como o autor do programa do seu poema sinfónico Viriato (1916). Até usa diferentes poemas de António Sardinha para compor canções como Minuete (1915), O motivo da planície (1915) ou o Soneto dos repuxos (1915).

* Cláusula de divulgação: o autor declarou que não existe um possível conflito de interesses.

Reprints and Corporate Permissions

Please note: Selecting permissions does not provide access to the full text of the article, please see our help page How do I view content?

To request a reprint or corporate permissions for this article, please click on the relevant link below:

Academic Permissions

Please note: Selecting permissions does not provide access to the full text of the article, please see our help page How do I view content?

Obtain permissions instantly via Rightslink by clicking on the button below:

If you are unable to obtain permissions via Rightslink, please complete and submit this Permissions form. For more information, please visit our Permissions help page.