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Estado de Graça: A Utopia Teológico-Política do Padre António Vieira

Pages 65-78 | Published online: 17 Dec 2013
 

Abstract

This essay discusses Jesuit Priest António Vieira's (1608–1697) Messianic writings, specifically the texts in which he comments on the impending arrival of the Kingdom of Christ, described as a most happy state suffused with divine grace. This Kingdom would be perfect and complete, and it would take place on earth, not in the purely spiritual sphere of heaven. I argue that the earthly dimension of Vieira's conception of the Kingdom of Christ opens his Messianism to a political dimension. It will lead him to consider the coexistence of nations during this Millenarian Kingdom in terms of “perpetual peace,” a notion later secularized by the thinkers of the Enlightenment.

Notes

1. Nesta e em todas as outras citações de Vieira foi mantida a grafia dos textos vieirinos adoptada pelos editores dos mesmos.

2. O público-alvo dos textos proféticos de Vieira evoluiu ao longo do tempo. Se o texto “Esperanças de Portugal” se dirigiu principalmente à rainha D. Luísa de Gusmão, viúva de D. João IV, já a História do Futuro foi escrita para os portugueses em geral. A Clavis Prophetarum teria uma âmbito mais universal e apelaria a todos os cristãos, daí o ter sido escrita em latim (Buescu 16). Para além destas obras, Vieira desenvolveu ainda as suas ideias messiânicas na Representação Perante o Tribunal do Santo Ofício e na Apologia das Coisas Profetizadas, obras redigidas pelo autor em defesa das suas posições e dirigidas aos membros do Tribunal do Santo Ofício.

3. Na Apologia, Vieira refere-se igualmente à universalidade do Quinto Império: “Porque o Império de Cristo há de ser própria, rigorosa, inteira, e absolutamente universal, e desta própria, inteira, e absoluta universalidade falam todas as escrituras […]” (94).

4. Aníbal Pinto de Castro assinala que o pensamento messiânico de Vieira informa também os seus escritos não proféticos, sendo que o pregador pretendia com os seus sermões “modelar a mente e a alma do seu destinatário, de modo a fazer dele um construtor consciente do Reino de Cristo na Terra” (Castro 100).

5. Apercebendo-se da dificuldade em sustentar tal tese, Vieira dedica uma larga secção do Livro II da História do Futuro à análise de extensas citações das Escrituras e de autores canónicos, que interpreta de forma corroborar a sua opinião.

6. Vieira desenvolve um raciocínio semelhante na História do Futuro: “Ao argumento de Tertuliano que se fundava na eternidade do Quinto Império, já temos dito que a continuação dele no Céu há-de ser verdadeiramente eterna em toda a propriedade e largueza da significação desta palavra (II 50). Na Apologia, Vieira acrescenta ainda: “Grande parte da felicidade humana é (condescendendo com toda a fraqueza da humanidade) a certeza de saber um Monarca e seus vassalos que o Reino que possuem não está sujeito às inconstâncias do tempo, nem às mudanças da fortuna, que enquanto permanecer o hão de lograr os seus, e quando acabar não há de passar a outros. Se <se admite> consolação no acabar, nenhuma outra <pode haver> maior que acabar quando acaba tudo” (303).

7. Vieira afirma ainda, na História do Futuro: “[…] por isso é tão frequente nos escritos dos Padres a diferença do seu Reino [de Cristo] aos reinos do Mundo, não negando a Cristo Rei, como dizíamos, o domínio e Império ainda temporal sobre todo ele, mas engrandecendo esse mesmo Império pelo desprezo da pompa e aparato vão em que põem os reis da Terra sua grandeza e majestade” (História II 66).

8. Na História do Futuro, Vieira refere-se ao exercício negativo que Cristo faz da sua liberdade, ou seja, ao facto deste ter decidido não fazer uso do seu domínio sobre o mundo: “[…] ainda que o domínio temporal de Cristo não teve aqueles atos ou exercício positivo que costuma ter nos reis e príncipes da terra, teve porém um ato excelentíssimo e um exercício contínuo, nunca visto até então no Mundo, a que podemos chamar negativo, que foi o não querer Cristo usar do mesmo domínio. E ter o domínio para poder e não querer usar dele (que é um ato heróico de humanidade e modéstia, o qual necessariamente supõe o mesmo domínio) não é tê-lo ocioso, se não mui gloriosamente exercitado, de maneira que neste sentido (que nem é vulgar nem violento) podemos dizer que não careceu Cristo do uso do domínio temporal que nele consideramos, e que o uso que teve daquele domínio foi a privação do mesmo uso, ou não querer usar dele” (II 109).

9. A mesma ideia surge na História do Futuro: “[…] Cristo não teve uma só coroa, senão duas: uma como Supremo Sacerdote, que pertencia ao Império espiritual; e outra como Supremo Rei, que pertencia ao temporal” (II 62).

10. Vieira afirma que a primeira vinda de Cristo inaugurou o seu domínio sobre a terra, já que, através da união hipostática, o Filho se constituiu como herdeiro do reino do Pai. Este domínio distingue-se da posse efetiva da terra, que começou com a cristianização do mundo e se completará apenas com o advento do Quinto Império (Representação II 53).

11. Vieira continua nesta passagem: “[…] antes, por Cristo ser verdadeiro e inteiro homem, composto não só de espírito, senão de carne, foi muito conveniente que não só tivesse o Império espiritual que pertence às almas, senão também o temporal que é próprio dos corpos […]” (História II 104).

12. Vieira acrescenta, na Representação: “[…] pois se não pode bem entender, sem agravo da Providência de Cristo, que seja ela menos atenta sobre a parte temporal do seu perfeito Império do que o tem sido na parte espiritual dele, conforme a proporção e necessidade de cada um em seu género” (II 235).

13. Nas palavras de Vieira: “E assi como os mesmos dous planetas, com admirável concerto, uniformidade e concórdia, fazem seu curso e movimento e repartem a virtude de suas influências sobre todos os corpos que lhe ficam sujeitos e inferiores, de que depende a conservação de todo o mundo, assi aqueles dous Supremos Monarcas, em perpétua união, paz e conformidade, influirá cada um a virtude e eficácia de seus poderes sobre o mesmo mundo e sobre as mesmas partes dele (que serão todos os homens, sujeitos igualmente a ambas as monarquias) sem que as jurisdições se encontrem, nem as ordens se confundam, nem os efeitos se perturbem, mas antes se ajudem e favoreçam reciprocamente, para que, com igual suavidade e eficácia, se consigam e se logrem inteira e consumadamente os fins daquele perfeitíssimo estado” (Representação II 224).

14. Vieira reconhece que, na opinião de alguns, o Imperador secular seria francês, mas afirma que a maioria das nações considera que este Imperador será um “Príncipe da Espanha”, entendendo-se por esta designação a Península Ibérica (Representação II 442).

15. Vieira declara na Representação que o Quinto Império começaria por volta de 1666 (II 440), tendo D. João IV morrido em 1656. No final da Representação, o pregador desculpa-se perante os membros do Tribunal do Santo Ofício pelo possível erro de ter identificado o Imperado secular do Quinto Império como um monarca português: “Só tinha de humano o dito assunto, sendo todo sagrado e divino, dizer-se que o instrumento principal dele para a conquista e dominação temporal é ou havia de ser Príncipe Português. Mas, se nesta aplicação me enganou (como a muitos outros) o amor e Piedade da pátria, causas habet error honestas” (II 469).

16. Ver a este respeito Margarida Vieira Mendes, 523–27.

17. Na Apologia Vieira afirma ainda: “Este Reino de Cristo nenhuma outra coisa é senão a fé, e a Igreja do mesmo Cristo dilatada, estendida, conhecida, recebida, e obedecida e executada em todo o mundo: e o meio por onde a dita fé e Igreja se há de estender, dilatar, conhecer, e obedecer, e executar no mundo é a pregação do Evangelho, como conformemente dizem todos os Doutores e textos da Escritura” (224).

18. Vieira reitera na Apologia que os diferentes reinos manterão a sua soberania: “Não porque os outros Reinos, Repúblicas e Impérios não hajam de ter a mesma superioridade que dantes sobre as terras e pessoas de sua jurisdição, mas porque essa superioridade há de ter um nova (sic) sujeição que dantes não tinha <que é o reconhecimento da> Monarquia Universal” (286).

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