Abstract
This essay discusses Jesuit Priest António Vieira's (1608–1697) Messianic writings, specifically the texts in which he comments on the impending arrival of the Kingdom of Christ, described as a most happy state suffused with divine grace. This Kingdom would be perfect and complete, and it would take place on earth, not in the purely spiritual sphere of heaven. I argue that the earthly dimension of Vieira's conception of the Kingdom of Christ opens his Messianism to a political dimension. It will lead him to consider the coexistence of nations during this Millenarian Kingdom in terms of “perpetual peace,” a notion later secularized by the thinkers of the Enlightenment.
Notes
1. Nesta e em todas as outras citações de Vieira foi mantida a grafia dos textos vieirinos adoptada pelos editores dos mesmos.
2. O público-alvo dos textos proféticos de Vieira evoluiu ao longo do tempo. Se o texto “Esperanças de Portugal” se dirigiu principalmente à rainha D. Luísa de Gusmão, viúva de D. João IV, já a História do Futuro foi escrita para os portugueses em geral. A Clavis Prophetarum teria uma âmbito mais universal e apelaria a todos os cristãos, daí o ter sido escrita em latim (Buescu 16). Para além destas obras, Vieira desenvolveu ainda as suas ideias messiânicas na Representação Perante o Tribunal do Santo Ofício e na Apologia das Coisas Profetizadas, obras redigidas pelo autor em defesa das suas posições e dirigidas aos membros do Tribunal do Santo Ofício.
3. Na Apologia, Vieira refere-se igualmente à universalidade do Quinto Império: “Porque o Império de Cristo há de ser própria, rigorosa, inteira, e absolutamente universal, e desta própria, inteira, e absoluta universalidade falam todas as escrituras […]” (94).
4. Aníbal Pinto de Castro assinala que o pensamento messiânico de Vieira informa também os seus escritos não proféticos, sendo que o pregador pretendia com os seus sermões “modelar a mente e a alma do seu destinatário, de modo a fazer dele um construtor consciente do Reino de Cristo na Terra” (Castro 100).
5. Apercebendo-se da dificuldade em sustentar tal tese, Vieira dedica uma larga secção do Livro II da História do Futuro à análise de extensas citações das Escrituras e de autores canónicos, que interpreta de forma corroborar a sua opinião.
6. Vieira desenvolve um raciocínio semelhante na História do Futuro: “Ao argumento de Tertuliano que se fundava na eternidade do Quinto Império, já temos dito que a continuação dele no Céu há-de ser verdadeiramente eterna em toda a propriedade e largueza da significação desta palavra (II 50). Na Apologia, Vieira acrescenta ainda: “Grande parte da felicidade humana é (condescendendo com toda a fraqueza da humanidade) a certeza de saber um Monarca e seus vassalos que o Reino que possuem não está sujeito às inconstâncias do tempo, nem às mudanças da fortuna, que enquanto permanecer o hão de lograr os seus, e quando acabar não há de passar a outros. Se <se admite> consolação no acabar, nenhuma outra <pode haver> maior que acabar quando acaba tudo” (303).
7. Vieira afirma ainda, na História do Futuro: “[…] por isso é tão frequente nos escritos dos Padres a diferença do seu Reino [de Cristo] aos reinos do Mundo, não negando a Cristo Rei, como dizíamos, o domínio e Império ainda temporal sobre todo ele, mas engrandecendo esse mesmo Império pelo desprezo da pompa e aparato vão em que põem os reis da Terra sua grandeza e majestade” (História II 66).
8. Na História do Futuro, Vieira refere-se ao exercício negativo que Cristo faz da sua liberdade, ou seja, ao facto deste ter decidido não fazer uso do seu domínio sobre o mundo: “[…] ainda que o domínio temporal de Cristo não teve aqueles atos ou exercício positivo que costuma ter nos reis e príncipes da terra, teve porém um ato excelentíssimo e um exercício contínuo, nunca visto até então no Mundo, a que podemos chamar negativo, que foi o não querer Cristo usar do mesmo domínio. E ter o domínio para poder e não querer usar dele (que é um ato heróico de humanidade e modéstia, o qual necessariamente supõe o mesmo domínio) não é tê-lo ocioso, se não mui gloriosamente exercitado, de maneira que neste sentido (que nem é vulgar nem violento) podemos dizer que não careceu Cristo do uso do domínio temporal que nele consideramos, e que o uso que teve daquele domínio foi a privação do mesmo uso, ou não querer usar dele” (II 109).
9. A mesma ideia surge na História do Futuro: “[…] Cristo não teve uma só coroa, senão duas: uma como Supremo Sacerdote, que pertencia ao Império espiritual; e outra como Supremo Rei, que pertencia ao temporal” (II 62).
10. Vieira afirma que a primeira vinda de Cristo inaugurou o seu domínio sobre a terra, já que, através da união hipostática, o Filho se constituiu como herdeiro do reino do Pai. Este domínio distingue-se da posse efetiva da terra, que começou com a cristianização do mundo e se completará apenas com o advento do Quinto Império (Representação II 53).
11. Vieira continua nesta passagem: “[…] antes, por Cristo ser verdadeiro e inteiro homem, composto não só de espírito, senão de carne, foi muito conveniente que não só tivesse o Império espiritual que pertence às almas, senão também o temporal que é próprio dos corpos […]” (História II 104).
12. Vieira acrescenta, na Representação: “[…] pois se não pode bem entender, sem agravo da Providência de Cristo, que seja ela menos atenta sobre a parte temporal do seu perfeito Império do que o tem sido na parte espiritual dele, conforme a proporção e necessidade de cada um em seu género” (II 235).
13. Nas palavras de Vieira: “E assi como os mesmos dous planetas, com admirável concerto, uniformidade e concórdia, fazem seu curso e movimento e repartem a virtude de suas influências sobre todos os corpos que lhe ficam sujeitos e inferiores, de que depende a conservação de todo o mundo, assi aqueles dous Supremos Monarcas, em perpétua união, paz e conformidade, influirá cada um a virtude e eficácia de seus poderes sobre o mesmo mundo e sobre as mesmas partes dele (que serão todos os homens, sujeitos igualmente a ambas as monarquias) sem que as jurisdições se encontrem, nem as ordens se confundam, nem os efeitos se perturbem, mas antes se ajudem e favoreçam reciprocamente, para que, com igual suavidade e eficácia, se consigam e se logrem inteira e consumadamente os fins daquele perfeitíssimo estado” (Representação II 224).
14. Vieira reconhece que, na opinião de alguns, o Imperador secular seria francês, mas afirma que a maioria das nações considera que este Imperador será um “Príncipe da Espanha”, entendendo-se por esta designação a Península Ibérica (Representação II 442).
15. Vieira declara na Representação que o Quinto Império começaria por volta de 1666 (II 440), tendo D. João IV morrido em 1656. No final da Representação, o pregador desculpa-se perante os membros do Tribunal do Santo Ofício pelo possível erro de ter identificado o Imperado secular do Quinto Império como um monarca português: “Só tinha de humano o dito assunto, sendo todo sagrado e divino, dizer-se que o instrumento principal dele para a conquista e dominação temporal é ou havia de ser Príncipe Português. Mas, se nesta aplicação me enganou (como a muitos outros) o amor e Piedade da pátria, causas habet error honestas” (II 469).
16. Ver a este respeito Margarida Vieira Mendes, 523–27.
17. Na Apologia Vieira afirma ainda: “Este Reino de Cristo nenhuma outra coisa é senão a fé, e a Igreja do mesmo Cristo dilatada, estendida, conhecida, recebida, e obedecida e executada em todo o mundo: e o meio por onde a dita fé e Igreja se há de estender, dilatar, conhecer, e obedecer, e executar no mundo é a pregação do Evangelho, como conformemente dizem todos os Doutores e textos da Escritura” (224).
18. Vieira reitera na Apologia que os diferentes reinos manterão a sua soberania: “Não porque os outros Reinos, Repúblicas e Impérios não hajam de ter a mesma superioridade que dantes sobre as terras e pessoas de sua jurisdição, mas porque essa superioridade há de ter um nova (sic) sujeição que dantes não tinha <que é o reconhecimento da> Monarquia Universal” (286).