Abstract
O presente artigo aborda o conceito de necrocurrículo que analisa o espaço-tempo da escola sob a questão do racismo. Uma perspectiva que avalia na escola a política educacional que promove a morte da cultura, identidade e dos saberes afrodiaspóricos. O objetivo do artigo é esclarecer quais são os elementos conceituais que constituem a caracterização do necrocurrículo na educação brasileira. O estudo pressupõe que os saberes corpóreos e identitários do ser-negro no espaço-tempo do currículo da escola não fazem parte da geopolítica do conhecimento, ao contrário, são capturados e eliminados. A metodologia utilizada para a compreensão do necrocurrículo, necessitou das leituras propostas por Achille Mbembe acerca dos conceitos de Necropolítica e da Política de Inimizade que explicitam a política de morte que promove a captura dos corpos que são os signos da morte. Neste prisma, as concepções teóricas da Colonialidade/modernidade do ser, do saber e do poder que elucidam sobre o epistemicídio, silenciamento, invisibilidade, marginalização e desumanização dos saberes afrodiaspóricos, presentes na corporalidade do ser-negro, que foram na racionalidade eurocêntrica alocados na zona do não-ser. Os resultados apontam que a definição do necrocurrículo pode ser compreendida como uma forma de capturar os elementos do Signo da Morte, um invento da negatividade corpórea do Ser-Negro, excluí a norma para incluir na permanente exceção. Na geopolítica do conhecimento, não existe a dialética do corpo África-Negro, que estão suspensos das humanidades que produzem o conhecimento dito legítimo, no imaginário inventivo, constituem a vida nua, a-histórica dos africanos, o fantasmagórico da negatividade da vida. A escola é o nomos que determina a identidade, conhecimentos, saberes, culturas e a religião que devem viver e as que devem morrer sobre a égide do corpo-raça. Conclui-se que o enfrentamento do necrocurrículo requer uma justiça curricular que permita a construção de um currículo ético-político, participativo na radicalidade democrática que vise o cuidado e adoção dos conhecimentos que compõem a diversidade cultural da identidade social.
Disclosure statement
No potential conflict of interest was reported by the author(s).
Notes
1 Mbembe (Citation2019) refere que o corpo do negro apresenta os elementos da raça, que compõem o Signo da Morte.
2 Quilombo: comunidade de remanescente de quilombolas ou quilombo é um termo que tem origem em países africanos. De origem da língua umbundu de Angola “quilombo” é um aportuguesamento da palavra kilombo, cujo conteúdo remete a uma instituição sociopolítica e militar que resulta de longa história envolvendo regiões e povos lunda, ovimbundu, mbundu, luba, kongo, imbangala ou jaga (Munanga, Citation2016, pp. 92–93). Para Nascimento (Citation2018), o Quilombo passou a ser sinônimo de povo negro, sinônimo de comportamento do negro e esperança para uma melhor sociedade. O quilombo ainda serve de símbolo que abrange tradições de resistência étnica e política. Como instituição, guarda características singulares do seu modelo africano. Como prática política, apregoa ideias de emancipação “[…] que a qualquer momento de crise da nacionalidade brasileira, corrige distorções impostas pelos poderes dominantes” (Nascimento, Citation2018 p. 48).
3 Raça: segundo Munanga (Citation2004), o conceito de raça veio do italiano razza e teve origem no latim ratio, compreendido como sorte, categoria ou espécie, termo utilizado na história das ciências naturais.
4 Dialética hegeliana: identifica a natureza e o espírito com um princípio único, em movimento, de teses, antíteses e sínteses (Gadotti, Citation1996).
5 Espectro Fantasmagórico: de acordo com Mbembe (Citation2019, pp. 79–81) e as percepções de Fanon adotadas pelo autor – “o preto é um animal, o preto é ruim, é malvado, o preto é feio, […] uma casca calcificada - uma segunda ontologia – e uma chaga – ferida viva que corrói, devora todos […] uma carcaça que sobra do corpo depois de ter sido destruído ou descarnado. De um ponto de vista histórico, a palavra negro remete, em primeiro lugar, a uma fantasmagoria. Um processo de transformações das pessoas de origem africanas em negros.”
6 Strange Fruit – título de um poema de três estrofes, escrito em 1936, por Meeropol e cantado por Billie Holiday; originou o livro do jornalista Margolinck (Citation2012), “Strange Fruit: Billie Holiday e a biografia de uma canção,” que conta a história da música que retrata os corpos de negros assassinados e pendurados em árvores, à luz da metáfora do “fruto estranho.”
7 Maldonado-Torres apresenta, em suas teses, a “Geopolítica do Conhecimento e Corpo política (2019), os fundamentos para uma compreensão acerca do corpo que produz conhecimento e o lugar. Em relação a esses fundamentos, Grosfoguel (Citation2008) nomeou Egopolítica do Conhecimento e afirma a importância de situar o lugar e o corpo que produzem o conhecimento.
8 Ver mais em “Políticas da Inimizade” (Mbembe, Citation2017).
9 Estado de Exceção: para Agamben, o Estado de Exceção é uma situação de restrição de direitos. Ver mais em Agamben (Citation2017).
10 Condenados da Terra: são sujeitos desumanizados pelo processo de colonização. Fanon (Citation2005) descreve as restrições impostas ao condenado em seu próprio território: inferiorizado, animalizado e desumanizado.
11 Mestra Griô: Griô ou Griot de origem africana em Yoruba remete-se a questões dos guardiões e guardiãs. Responsáveis por contar as histórias dos saberes de cura, conhecimentos das ervas medicinais, das músicas, das danças, trazem consigo a preservação das memorias. Ficam incumbidos(as) por transmitir as próximas gerações os saberes ancestrais. Geralmente as mulheres afrodescendentes, muitas vezes, cuidadoras de seus filhos, sobrinhos, netos, enteados e agregados adotivos de afetos, são as guardiãs dos saberes e responsáveis por cuidar da transmissão dos aspectos ancestrais.
Additional information
Funding
Notes on contributors
Alex Garrido
Alex Garrido é professor e pesquisador na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) Licenciatura em Educação no Campo. Doutor em Educação: Currículo, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Mestre em Ensino de Ciências e Matemática pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel). Licenciado no curso de Ciências Biológicas com ênfase em Meio Ambiente pela UNIESP.
Fernanda Liberali
Fernanda Liberali é formadora de formadores, pesquisadora e professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no Departamento de Ciências da Linguagem e Filosofia, nos Programas de Pós-Graduação em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem, em Educação: Formação de Formadores e em Educação: Currículo.