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Research Article

Estados dissolutivos da guerra civil: entre rapina e autodestruição

Pages 192-210 | Received 19 Jan 2023, Accepted 26 Jan 2023, Published online: 24 May 2023
 

ABSTRACT

Neste artigo, analiso criticamente as transformações do político contemporâneo e suas relações com a guerra e a economia. Tomando o fim da Guerra Fria como o resultado de uma crise estrutural do capitalismo iniciada nos anos 1970, mostro que esse período é marcado pela instabilidade, devido á ampliação do espaço de dominação da última superpotência, sustentado com recursos em queda. Argumento que, por essa razão, os Estados Unidos se vêm compelidos a guerras de ordenamento mundial para manter a credibilidade do poder de suas armas e do dólar. Em seguida, discuto como, após a Segunda Guerra Mundial, a política foi tensionada a se subordinar mais intensamente á economia e sustento que, na crise atual, estas mélanges continuam se reproduzindo, agora em uma espécie de economia política da barbárie – um emaranhado entre guerra, economia e política. Isso porque a gravidade da crise econômica, que faz dela o centro nervoso da vida social, exige essa fusão, que pode ser observada na epidemia de guerras civis, conduzidas por bandos armados desideologizados que exercem poder em pequenos territórios. Tais grupos são a expressão desse recrudescimento: sustentada nos estilhaços do que foi o Estado, essa modalidade de poder segue a necessidade da rapina dada pela economia – em pequena ou grande escala. Meu argumento central é que, para levar adiante a irrealidade da acumulação, essa situação conduz á aliança do capital globalizado, que requer o trabalho sujo com esses bandos, elevados a modelo de gestão imediata da barbárie como ordenamento local combinado ao mundial.

This article is a translation of:
Dissolutive states of civil war: between predation and self-destruction

Disclosure statement

No potential conflict of interest was reported by the author.

Notes

1. Segundo FOUCAULT (Citation2010, 15), ‘o poder é a guerra continuada por outros meios. E, neste momento, inverteríamos a proposição de Clausewitz e diríamos que a política é a guerra continuada por outros meios’.

2. Devo explicar minha escolha pelo ensaio como a forma para este artigo. Eu o considero mais próximo das potencialidades do engajamento inicial com um tema crítico do presente, mas ainda pouco explorado teoricamente e em desenvolvimento diário em saltos. Minha escolha leva em consideração a relação dialética entre forma e conteúdo deste objeto em estudo. Tal modalidade de escrita foi discutida por ADORNO (Citation1994, 168) em ‘Ensaio como forma’, no qual, além daquilo que é dito, poderia acrescentar a seguinte definição: ‘o ensaio não deixa que lhe prescrevam o âmbito de sua competência. (…). Ele não começa com Adão e Eva, mas com aquilo de que quer falar; diz o que lhe ocorre, termina onde ele mesmo acha que acabou e não onde nada mais resta a dizer: assim ele se insere entre os despropósitos’.

3. Na sua formulação, CLAUSEWITZ (Citation2004, 48) diz: ‘A guerra é a mera continuação da política por outros meios’. Em seguida, ele aprofunda esta ideia, reconhecendo que ‘a guerra não é simplesmente um ato político, mas um verdadeiro instrumento político, uma continuação da atividade política, uma realização da mesma por outros meios’.

4. Sobre este tema comum às guerra civis, Agamben (2016, 25) afirma que ‘a stasis [guerra civil] funciona como um reagente que, revela o elemento político em situação extrema’. Ela obriga os membros da comunidade política a viverem ‘“como cidadãos” (bürgherlich), isto é, no sentido grego, “politicamente”’.

5. Este é o caso do Rio de Janeiro, mas também de outras cidades no Brasil e no mundo. Dinâmicas semelhantes podem ser observadas na América Central, com os maras, assim como os bandos que ocupam partes da Líbia, do Afeganistão ou de Ruanda, ou as máfias russa, chinesa ou italiana. Enfim, estas práticas de dissolução violenta das relações sociais dominadas pelo dinheiro são uma moeda corrente nos cinco continentes.

6. A financeirização, como um processo exacerbado de abstração, cria dificuldades imensas para representar o real. Uma breve história da acumulação de capital produz paroxismos como: em 1820, a produção total de bens e serviços na economia mundial era de US$ 694 bilhões; em 1913, ela chegava a US$ 2,7 trilhões; em 1950, US$ 5,3 trilhões; em 1973, a US$ 16 trilhões; em 2003, a US$ 41 trilhões; e hoje, é calculada em torno de US$ 80 trilhões. No entanto, estima-se que, no mercado de futuro, a soma prometida seja de aproximadamente US$ 1 quadrilhão. Quando as contas não fecham… Sobre este tema, ver KURZ (Citation2014); HARVEY (Citation2011).

7. Roswitha SCHOLZ (Citation1996, 17) propõe uma leitura da origem do patriarcado moderno vinculada ao processo lógico histórico de constituição da moderna sociedade produtora de mercadorias: ‘o trabalho abstrato e o valor são compreendidos já em seu nexo constitutivo (e, portanto, em seu próprio núcleo) como princípio masculino’. O asselvajamento do masculino, nessa conjuntura, tem parte de seus laços estabelecidos com a natureza da crise do capitalismo. Na medida em que o trabalho e o valor são categorias que fundam o espaço e a lógica de dominação masculina na sociedade moderna, o colapso desses fundamentos é também um colapso violento de sua forma de sustentação: o homem (branco), que perde sua razão de ser objetivada precisamente no funcionamento dessas formas.

8. Disponível em: www.nepp-dh.ufrj.br/relatorio_milicia.pdf. Último acesso em: 12 de outubro de 2022.

9. Disponível em: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/terra-desolada/. Último acesso em: 12 de outubro de 2022.

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